Crítica: “A Gente”, o novo documentário do diretor Aly Muritiba

Por Gabriella Tomasi

Com lançamento em circuitos de festivais nacionais já em 2013, A Gente por Aly Muritiba, contudo, somente chega a ocupar as telas dos cinemas brasileiros no ano de 2017. Completando a trilogia de dois curta-metragens antecessores sobre o mesmo tema, A Fabrica (2011) e Pátio (2013), o cineasta se propõe a retornar no local onde trabalhou durante sete anos: uma penitenciária na cidade de São José dos Pinhais, cidade da região metropolitana de Curitiba, Paraná. Lá, ele acompanha a rotina diária de agentes sob a perspectiva e liderança de Jefferson Walkiu que comanda um grupo para dar conta dos acontecimentos.

Se em Pátio, Muritiba observava de perto os presos, aqui vemos o outro lado da moeda: a visão dos funcionários que ali cuidam do recinto. Tão bem explicitado em seu título de duplo sentido, o diretor não somente denota de quem ele está falando, mas também sobre o quê ele está falando, já que ele imprime os esforços coletivos dos agentes a despeito das condições precárias institucionais que o governo não supre: são as poucas e defeituosas algemas; a ausência de contratação de novos funcionários; a insuficiência de armas e coletes e; ausência de remédios e outros equipamentos e objetos que igualmente sempre estão faltando. Neste sentido, o diretor consegue em um documentário executar lindos planos em tela ao acompanhar os funcionários demonstrando o quão claustrofóbico ali pode ser.  As portas e os corredores estreitos, a ampla profundidade de campo, tetos altíssimos ressaltam a característica labiríntica do local. Além disso, é notável como se consegue aproveitar da arquitetura do ambiente, como as barras de ferro dos portões ou a pequena janela das portas para, dessa forma, enaltecer o enclausuramento a que seus funcionários se submetem.

Se mencionei antes a profundidade de campo ampla em toda a locação, o mesmo não acontece quando se quer testemunhar a rotina dos agentes e demais servidores. Muritiba, para tanto, utiliza de planos mais fechados variando entre o médio e o primeiríssimo para focar no íntimo de todos que lá trabalham; de saber os problemas e o que fazem para resolvê-los; as medidas adotadas para controle dos presos e visitas, entre outros, justamente com o intuito de não colocar em tela os presos ou suas famílias (salvo raras exceções) para contar uma história sob o olhar e a perspectiva do chefe Jefferson dia após dia. É interessante, portanto, observar como ele trabalha, une toda a sua equipe, demandando um grande empenho em fazer tudo funcionar da melhor forma, até porque muitos dos presos causam tumultos ou sempre estão pedindo algo, desde os problemas mais sérios como falta de atendimento de um médico ou enfermeiro até os mais pífios como mudar de cela durante a madrugada ou reclamar por mais café.

Mas o que realmente se destaca nesta linda obra é como ela, desde o começo, possui um desfecho negativo. Toda aquela dedicação parece cada vez mais se tornar inócua na medida em que o governo toma as decisões de longe em desfavor da equipe, sem saber o que realmente acontece na realidade, prejudicando muitas vezes a dinâmica ou que o se estabelece ou é organizado entre os agentes. É o governo estatal sufocando o bom funcionamento das instituições, e o fato de que esta história já está desde o começo condenada ao insucesso de todo o trabalho árduo das pessoas diz muito sobre nossa política.

A Gente é, por fim, uma obra exemplar de Aly Muritiba e importantíssima de ser vista.

 

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